Televisão era novidade, não havia vídeo e muito menos dvd, cd era palavra desconhecida, e portanto os velhinhos LP faziam as delícias possíveis.
Travou-se nessa época um “duelo” fantástico entre duas casas editoras, que mais não foi que o reflexo, na indústria, da rivalidade existente entre dois dos maiores sopranos que a Ópera alguma vez conheceu. Refiro-me, obviamente, a Maria Callas e Renata Tebaldi.
Os “Callistas” e os “Tebaldistas” fanáticos, chegavam a assistir às representações das “inimigas” apenas para vaiar, numa obsessão hoje reconhecida como perfeitamente idiota, dada a qualidade de ambas. Mas eram outros tempos…
A Decca editava a dupla Tebaldi / Mario del Monaco, a EMI Maria Callas / Giuseppe di Stefano. Estes dois pares encimaram, durante muito tempo, as discussões acaloradas entre os adeptos de uns e de outros. E algumas dessas gravações ficaram para a posteridade como imbatíveis.
Não vou dizer qual era melhor, por achar impossível. Mas relembrarei os argumentos de um lado e de outro.
Diziam os apaixonados por Callas, que di Stefano era o melhor tenor que a Diva podia ter encontrado, e que esta era perfeitamente indiscutível como a melhor de sempre.
Opinião refutada pelos “tebaldistas”, que para além de entenderem que Callas era uma cantora pouco constante, isto é, com “altos e baixos”, e “baixos” horríveis, acrescentavam que di Stefano era um tenor mais que vulgar, que apenas fizera carreira por cantar ao lado de Maria. Para eles, nada se igualava ao timbre de Tebaldi, e Mario del Monaco era, a anos-luz, superior a di Stefano.
Que época deslumbrante, que permitia discussões deste tipo, entre tantos intérpretes de categoria!
E ainda havia Corelli, Bergonzi, Gobbi, Bechi, Bastianini, Stella, Cerquetti, Simionato, Barbieri…para ficar só em Itália…
Quem nos dera ter, nos nossos dias, tantos e tão bons….
1 comentário:
Conta-se a contenda entre Camilo Castelo Branco (ele próprio a narra) e seu amigo Aloísio de Seabra quando irrompem, no jantar de homenagem a Adélia Dabedeille, de copo erguido brindando a Clara Belloni. Cartistas e patuleias orientavam as suas divergências para as duas prima-donas Belloni (os cartitas) e Dabedeille (os patuleias).
(…) ele [Camilo C. Branco] foi o cabeça de motins de todos os Waterloos teatrais e, nomeadamente, das lutas tremendas entre os dois partidos que na época lírica de 1848-49 se formaram em volta, respectivamente, de Madame Clara Belloni e de Mademoiselle Adélia Debedeille, duas célebres prima-donas do Teatro de S. João (…)
Era assim há oitenta e noventa anos. Está cheia desses casos a crónica trepidante das noites de glória do velho Teatro S. João. Do que se passava, por vezes, lá dentro, em plena sala de espectáculos, ninguém faz hoje a mínima ideia.
Quando se formavam partidos, em certas épocas do lírico, a gente pacata, temente a Deus e aos murros e cacetadas, não podia ir à ópera.
A rapaziada boémia e temível do Guichard ia para a plateia com as suas bengalas, com martelos, com cabos de vassoura, com tudo isso e ainda os tacões e com as goelas. Tudo posto em acção ao mesmo tempo imagine-se a inferneria que aquilo seria. Camilo levou para a sala, certa noite, uma corneta de lata feita na Rua Escura, a modo de porta-voz, de alto-falante, e inaugurou «pateadas à Debedeille… com trompa». Diz ele que foi essa a sua única invenção de toda a sua vida.
Magalhães de Brito, in O Tripeiro nº. 11, Março de 1954
:))
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