sexta-feira, 21 de março de 2008

As Óperas de Mozart (5)

Em “Così Fan Tutte” a comédia é trabalhada e artificiosa, mas como os cantores de ópera raramente são peritos em tal estilo de representação, interpreta-se muitas vezes como farsa violenta, para a qual nem sempre a deliciosa música de Mozart é adequada.
Nunca gozou do mesmo êxito que as outras duas famosas óperas do compositor, e a culpa foi sempre atribuída ao libreto. Os críticos da época decidiram firmemente que a história era “impossível” e também que era repulsiva, porque trata de duas raparigas “parvinhas” a quem um velho e cínico solteirão dá uma benévola lição. Para eles, a mulher era um ideal que nunca devia ser ridicularizado.
Última ópera resultante do trabalho conjunto de Da Ponte e Mozart, “Così Fan Tutte” é mais uma “obra-prima”, e chamo a atenção para a importância de uma boa orquestra na sua execução.
Em dvd, proponho uma produção dirigida por Harnoncourt, com Cecilia Bartoli, Agnes Baltsa e Roberto Sacca, de 2000.
Em cd, Teresa Berganza, Pilar Lorengar e Gabriel Bacquier, dirigidos por Solti em 1974.
Vamos ouvir Gundula Janowitz em “Come Scoglio”.

3 comentários:

Carlos Faria disse...

a única das óperas mais conhecidas de Mozart que ainda não consegui gostar. Tem árias e outros temas interessantes, mas continuo a detestar a história, sobretudo acho horrível o papel assumido por aqueles dois maridos - aquilo não se faz!

teresamaremar disse...

Não defendiam os iluministas que o homem é naturalmente bom mas corrompido pela sociedade?
Não se inscrevem estas personagens na filosofia iluminista?

As personagens de Così Fan Tutte são duas mulheres, dois homens e duas mentes ardilosas e manipuladoras, uma céptica quanto à fidelidade feminina (Don Alfonso), outra céptica quanto à fidelidade masculina (Despina).
As duas mulheres apresentam-se como vítimas das armadilhas dos apaixonados, e estes marionetas manipuladas pelos estrategas. As marionetas mais não são do que peças do teatro das emoções.
Assim, as duas mulheres enamoradas, cuja fidelidade se testa, são, porém, as figuras que se mantêm por mais tempo sinceras, pois que os apaixonados, ao se tornarem adjuvantes no jogo, desde logo se acertam na desonestidade.

Em Così Fan Tutte há dois destinos entre os quais decidir, onde se joga um jogo, jogo de fantasia. Não mais que um jogo.

E porque marionetas, e porque jogo, são de ter presentes os códigos teatrais e amorosos do séc. XVIII e o mito do disfarce. O disfarce era uma constante, um Carnaval que se prolongava e que invadia a corte e o quotidiano, pois que o Século das Luzes se alimenta da utopia e da imaginação. Um século onde a libertinagem era o modo de vivenciar a liberdade e a emancipação.

Mas Così Fan Tutte tem algo mais de curioso, é que, para lá da sua aparente philosophie du boudoir, não há desigualdades, as mulheres surgem exactamente no mesmo plano dos homens [de novo o pendor iluminista].
Ainda que as personagens sejam pouco simpáticas e as suas acções frívolas, Mozart não menospreza as mulheres, o que se entende também porquanto Mozart gostava das mulheres, mais, gostava delas irresistíveis e pouco resistentes. E perdoava-as.

Tout le monde acuse les femmes, moi je les excuse

Presumo que Così Fan Tutte lhe terá proporcionado imenso prazer.

MCA disse...

Obrigada pelas tuas palavras n'A biblioteca de Jacinto.
Espero voltar em breve a escrever. Por enquanto, ainda não sou capaz.

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