terça-feira, 13 de novembro de 2007

As Óperas de Verdi (1)

Começou a carreira quando a ópera italiana estava no seu ponto mais baixo; Rossini retirara-se de cena, Bellini morrera e Donizetti fora atingido pela alienação mental.
De início, pouco distinguia o jovem Verdi da multidão de mediocridades cujos nomes e obras estão hoje completamente esquecidos, mesmo em Itália, e o próprio Verdi não pensava senão em escrever óperas que tivessem um êxito popular imediato. Os críticos seus contemporâneos rotularam esses primeiros trabalhos de estilo grosseiro e brutal, bastante apropriado para uma nova geração de cantores de extensas e fortes vozes mas sem requintes ou elegância de técnica, como a que fora característica dos grandes intérpretes de Bellini.
Na sua mocidade, Verdi tivera grande prática da escrita para filarmónicas na sua terra natal, Bussetto, e o estilo de banda é muito evidente em todas as suas primeiras obras. Muitas delas têm mesmo uma verdadeira banda no palco, atrás do cenário, além da orquestra normal, e o que toca é no estilo militar barato do seu tempo, seja qual for a situação dramática ou a época da acção teatral.
A maior sorte de Verdi nos primeiros passos da sua carreira foi terem, de certo modo, associado a sua música com o movimento patriótico que viria a conseguir expulsar os austríacos do território italiano e unir todo o país sob a coroa da Casa de Sabóia.
Pessoalmente, Verdi sempre se declarou completamente fora de toda a política, mas considerando as eternas preocupações que tivera com a censura austríaca a propósito de quase todas as suas primeiras óperas, não é de surpreender que se regozijasse com a oportunidade de estimular a revolução com o ardor impulsivo dos seus trechos. E fê-lo beneficiando em larga medida do seu talento melódico: durante gerações e gerações as suas árias foram as favoritas de todos os realejos. Hoje em dia, em que não há música nas ruas, verifica-se um extraordinário acréscimo de apreço pelas óperas antigas de Verdi, e maestros e empresários dedicam-se à sua reabilitação, mesmo as que, aquando da estreia, foram relativos insucessos.

5 comentários:

Anónimo disse...

Boa tarde,
E será que se lembra de uma série fantástica, que passou na RTP, sobre a vida deste fantástico compositor?
Árias maravilhosas que nos enchem a alma!
Cumprimentos cinéfilos
Paula e Rui Lima

José Quintela Soares disse...

Caros Amigos

Recordo perfeitamente essa série.
Só a encontrei disponível em VHS, julgo que nunca foi editada em DVD.

Abraço cinéfilo e operático!

Unknown disse...

Caro José Quintela Soares,

Foi com muito agrado que passei por aqui e descobri o seu blog. Parabéns!

Porém queria comentar um facto, perdoando-me desde já a ousadia e o arrojo com o que o faço.

Sem querer levantar qualquer espécie de polémica, pergunto: Não será deveras redutor chamar de medíocres a tantos grandes e bons compositores que por razões que, hoje, desconhecemos caíram no esquecimento?

No início da carreira de Verdi, havia já um compositor de grande fama já consolidada, que tinha, por assim dizer, tomado o lugar deixado vazio pelos 3 grandes que bem enumerou. Pois ele era Mercadante, e nos anos de 35 até cerca de 50, do séc. XIX, não se falava de outro compositor que não este. A par deste faziam carreira uma série de notáveis como Pacini, Ricci ou Coccia. Lembro pois que anos mais tarde, para elaboração do Requiem à memória de Rossini, que como sabe o projecto não logrou, Verdi foi buscar uma série destes homens, rivais ou não, escolhendo-os e nomeando-os como grandes compositores italianos da sua época. Eram eles Buzzolla, Bazzini, Pedrotti, Cagnoni, Ricci, Nini, Boucheron, Coccia, Gaspari, Platania, Rossi e Mabellini. Mas voltando ao início, quando Verdi começou a sua carreira, foi dado, pela crítica, como um jovem compositor que imitava o estilo de Rossini e Mercadante. Hoje tendo acesso a gravações de óperas deste compositor, como princípio de comparação, torna-se claro as verdadeiras origens do estilo verdiano. Partindo do antípoda Rossiniano, o estilo vai buscar a força, a postura, a bravura, a brutalidade, o escuro e o romantismo Mercadantiniano. Todo o primeiro Verdi assenta aqui, até se deixar influenciar pelo estilo francês e posteriormente pelo alemão. As árias de Abigaille, Elvira, Odabella, Lady Macbeth têm eco nas heroínas deste compositor. O estilo orquestral, das árias, coral e concertante também acham aqui eco, enfim, tanto e tanto para comparar. Certo que o estilo Verdi vingou, e as suas obras tornaram-se gradualmente mais evoluídas que as deste compositor e de outros compositores.

Concluindo, todos estes compositores que no passado foram famosos e colheram grandes sucessos, creio estarem esquecidos pelos seguintes motivos:
- O insucesso de algumas obras;
- A instabilidade de algumas obras;
- Os confrontos, competições, disputas e rivalidades entre os compositores e o constante eclipsamento de obras;
- A sensibilidade ou insensibilidade do publico;
- Com o passar do tempo, as obras serem consideradas antiquadas face aos novos estilos modernos;
- O teor dos assuntos tratados e argumentos;
- A qualidade dos libretos
- O decair do uso de alguns instrumentos;
- O desaparecimento de partituras ou desconhecimento do paradeiro (como é o caso do ROCESTER, de Verdi, a sua verdadeira primeira opera);
- A dificuldade de execução dos papéis, escritos para vozes com características muito especiais;
- E por ultimo, a impressão das obras e o arranque das empresas de edição musical, que tiveram inicio nos anos 40 e 50 do séc. XIX, permitindo a maior e mais rápida divulgação como custos mais acessíveis;
- Actualmente um dos factores que impede este ressurgimento e a maior divulgação é o interesse comercial e lucrativo das casas ou teatros de reportório. Como se sabe óperas contemporâneas e pouco conhecidas, por muito mérito e surpreendente que sejam, e que o são, não fazem as casas, sendo as alturas mais receosas aos empresários.

Sem duvida que foi este o grande sucesso de Verdi. Se hoje o conhecemos, como o conhecemos, deve-se muito á Ricordi, que publicou todas as suas óperas e impulsionou-as mundialmente.

Para terminar, gostaria de deixar um facto histórico, talvez pouco abonatório a Verdi, mas é sabido que Mercadante foi negligenciado e prejudicado, na época, por Verdi em compadrio com Giulio Ricordi. Estes 2 senhores constituíram uma verdadeira mafia eliminando toda a feroz competição no norte de Itália. Mercadante que teve uma longa vida viveu sempre com esse desgosto. Hoje porém, numa época de revivalismo, as suas obras estão a recuperar o lugar merecido e são anualmente repostas em Festivais (Wexford) ou gravadas em disco.

Gostaria de acrescentar que para nós portugueses, Mercadante deve ser motivo de orgulho. Durante cerca de 2 anos viveu entre nós, assumindo funções de maestro do Teatro de São Carlos, tendo compondo para este teatro e para o Teatro das Laranjeiras, obras em estreia absoluta. Hoje em dia, conta-se nos libretos e discos de óperas historias que fazem aguçar a curiosidade, que contam o romantismo e o maravilhoso excêntrico da sociedade Lisboeta e do célebre e arrojado Conde Farrobo, também ele Quintela, grande amante de opera, de quem as historias, tal como a mim, lhe devem ser bem conhecidas. As operas de Lisboa são:
- IL TESTA DI BRONZO (Teatro Laranjeiras);
- ADRIANO IN SIRIA (TSC);
- GABRIELLA DI VERGY (TSC);

Sugiro gravações deste compositor:
- IL GIURAMENTO;
- ELENA DA FELTRE;
- LA VESTALE;
- ORAZI E CURIAZI;
- EMMA D'ANTIOCHIA;
- ZAIRA;
- MARIA STUARDA;

Com os melhores cumprimentos.
Sopvieira

José Quintela Soares disse...

Caro Samuel Vieira

Muito obrigado pelo seu interessante comentário.
Na verdade, talvez tenha sido injusto para alguns desses compositores, como Mercadante, autor de muitas dezenas de óperas, que, por um motivo ou outro, não chegaram aos palcos dos nossos dias.
É um nome, de facto, muito esquecido, e para isso talvez tenha contribuido aquilo a que Tomás Borba chama de "falsa sonoridade grandiosa da orquestração".
Não tenho dúvidas que, na Itália de então, Verdi e Ricordi devem ter destruido muitas carreiras, ainda que com intenções diversas.

Um abraço e , uma vez mais, grato pelo seu comentário.

Unknown disse...

Caro José Quintela Soares

Boa tarde,

Obrigado desde já pela atenção que as minhas palavras lhe mereceram, honrando-me com uma sua apreciação.

Sem me querer alongar gostaria de responder acrescentando:

Creio que o tempo se encarregará de fazer justiça certa.

Os últimos 50 anos têm sido de ressurgimento. Certo que o tempo dos grandes compositores já lá vai, e nos nossos dias parece não aparecer ninguém que, á imagem destes, saibam conciliar modernismo e tradição de escola de canto.

Mas os últimos anos tem sido de ressurgimento, é certo e o mesmo tem sido feito em função do estudo pormenorizado do passado.

Já Verdi, como ancião, aconselhava aos jovens compositores, numa frase que aos nossos dias nos parece premonitora, dita mais ou menos assim: “O futuro da música está no passado”. Também ele mestre ávido de mais conhecimento, estudava com atenção sapiente os quartetos de Beethoven e as obras de Palestrina alternando com uma vida desafogada e tranquila de lavrador nas suas propriedades rurais. Maturado o estilo, a verdade é que a sua reinvenção, no período final da sua carreira, já anunciada na AIDA e no REQUIEM, são frutos desta nova perspectiva e estudos.

Mas falávamos do ressurgimento!
Como sabe na década de 40 e 50, do séc. XX, assistiu-se ao ressurgimento Mozartiano. Primeiro como alvo escamoteado de propaganda nazi e posteriormente nas comemorações dos 200 anos do nascimento de Mozart. A sua obra operática foi sendo posta a circular, através das companhias alemãs que corriam os teatros europeus, agora nos anos pós-guerra, catapultando-a para a feliz febre Mozartiana que ainda hoje, muito felizmente, dura face ao esquecimento que até então vivia mundialmente, no plano operatico, resumida a LE NOZZE DI FIGARO e D. GIOVANNI.

Nos últimos 30 anos temos assistido á ascensão Rossiniana, até então reduzida ao IL BARBIERE DI SIVIGLIA e a uma ou outra sua ópera COMICA. Em consequência dos inconsequentes Festivais de Verão italianos, longe dos palcos de reportório, hoje já podemos escutar também nos melhores teatros e nos discos o Rossini SERIO, agora lembrado e restaurado, como apreciar todas as suas obras na sua grandeza original e limpas de parasitismos e maneirismos desnecessários, acumulados em anos e anos.

Não obstante, o séc. XXI trouxe-nos ou devolveu-nos o esplendor barroco e seus compositores. Também na senda italiana aparece um compositor, muito esquecido, apenas lembrado o seu nome e alguns dos seus concertos. Como deve desde já supor estou a referir-me a Vivaldi. Nos últimos 2 anos, após terem sido descobertos ou desimpedidos em Turim, um manancial de partituras deste compositor tem-se assistido a um frenesim de gravações atrás de gravações e reposições nos palcos. Sempre, e como em todas as épocas e ressurgimentos, com os melhores cantores do momento.

Tudo nomes esquecidos, perpetuados até ao momento de viragem em fama e glórias ou desgraças passadas que nos chegam por subsistirem escritas.

Os gostos actuais parecem muito mais abrangentes e universais, dando lugar a todos aqueles que contribuíram musicalmente em todas as épocas.

Reiterando, Mercadante já não é um nome muito esquecido, é sem duvida um compositor de quem as obras estão parcialmente esquecidas. O seu ressurgimento tem-se verificado nos últimos anos através das gravações da OPERA RARA, de gravações ocasionais feitas no passado, com gravações pertinentes de espectáculos que vão hoje em dia acontecendo e do FESTIVAL DE WEXFORD. Os italianos, músicos e eruditos, quando falam no “saco” de compositores do “Ottocento”, param no nome de Mercadante reverenciando-o como um compositor estimado e de mais interessante.

Como já disse, o tempo encarregar-se-á de fazer a justiça.

Os mais estimados cumprimentos.
Samuel Vieira

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